A atuação da CGU e os acordos de leniência: transparência ou blindagem?
ARTIGOS - ENTE PRIVADO
Equipe Blog Disciplinar
4/17/20256 min ler
📚 A atuação da CGU e os acordos de leniência: transparência ou blindagem?
A prática de acordos de leniência pela Controladoria-Geral da União (CGU) no Brasil, especialmente após a vigência da Lei nº 12.846/2013 (Lei Anticorrupção), tem sido um dos pilares no enfrentamento de irregularidades praticadas por pessoas jurídicas contra a Administração Pública. No entanto, a condução desses acordos tem suscitado relevantes discussões sobre sua efetividade, legitimidade, transparência e potenciais riscos de blindagem de empresas infratoras.
1️⃣ Fundamento legal dos acordos de leniência
A Lei nº 12.846/2013, conhecida como Lei Anticorrupção, introduziu o instituto do acordo de leniência no ordenamento jurídico brasileiro:
📜 Art. 16 da Lei nº 12.846/2013:
"A pessoa jurídica poderá celebrar acordo de leniência com o órgão público responsável pela apuração dos atos, desde que colabore efetivamente com as investigações e o processo administrativo, resultando na identificação dos demais envolvidos na infração e na obtenção célere de informações e documentos que comprovem o ilícito investigado."
Esse dispositivo é regulamentado atualmente pelo Decreto nº 11.129/2022, que estabeleceu requisitos formais mais rigorosos, além de detalhar os efeitos, benefícios e limites da leniência.
2️⃣ Atribuições da CGU
Com base no Decreto nº 11.129/2022, a CGU é o órgão central responsável por:
Celebrar acordos de leniência no âmbito federal;
Conduzir investigações administrativas;
Coordenar ações com outros órgãos de controle, como o TCU e o Ministério Público;
Fiscalizar o cumprimento dos compromissos assumidos pelas empresas lenientes.
Observação:
🛡️ A atuação da CGU em acordos de leniência é distinta da atuação criminal do Ministério Público, que também pode propor acordos de não persecução penal (ANPP).
3️⃣Requisitos para celebração
Para que o acordo de leniência seja válido, a empresa precisa:
Confessar a prática do ilícito;
Identificar os demais envolvidos;
Apresentar provas relevantes;
Reparar integralmente o dano (ou apresentar plano para tanto);
Implementar ou aperfeiçoar programas de integridade.
Se não houver colaboração efetiva, o acordo não gera os benefícios previstos.
4️⃣ Benefícios para a empresa
O principal benefício é a possibilidade de redução da multa aplicável, que pode chegar a até 2/3 do valor previsto, e a possibilidade de:
Evitar o cadastro no CEIS (Cadastro de Empresas Inidôneas e Suspensas);
Evitar ser declarada inidônea para contratar com a Administração Pública.
Contudo, a leniência não isenta a empresa de eventuais responsabilidades criminais, civis e eleitorais.
5️⃣ Transparência: avanços e críticas
Apesar dos avanços normativos, diversos especialistas e órgãos de controle apontam problemas:
🔹 Críticas recorrentes:
Falta de divulgação integral dos termos dos acordos;
Possibilidade de blindagem de empresas reincidentes;
Excessiva confidencialidade em fases preliminares;
Dificuldade de fiscalização social.
📚 TCU, Acórdão 2245/2019 - Plenário:
"A efetividade dos acordos de leniência depende da transparência dos compromissos firmados, sob pena de desvirtuamento do instituto."
📚 STF, RE 1.079.412/DF:
"A Administração Pública, ao celebrar acordos de leniência, deve respeitar o princípio da publicidade, sem prejuízo da preservação de dados sigilosos imprescindíveis à investigação.
📚 STJ, RMS 59.612/SP:
"O direito de acesso a informações sobre acordos firmados com empresas em procedimentos sancionadores decorre do princípio da moralidade administrativa e da publicidade."
6️⃣ Risco de blindagem: quando ocorre?
A blindagem de empresas pode ocorrer se:
Empresas envolvidas em múltiplos ilícitos utilizam o acordo para "limpar" seu nome sem reparar integralmente os danos;
Não há fiscalização eficaz do cumprimento das cláusulas;
Novos ilícitos são praticados e negligenciados;
A aplicação das sanções é desproporcionalmente branda.
📚 TCU, Acórdão 3.049/2020 - Plenário:
"A concessão indiscriminada de benefícios em acordos de leniência sem fiscalização do cumprimento de obrigações pode configurar desvio de finalidade."
7️⃣ Controle do TCU sobre os acordos de leniência
O Tribunal de Contas da União exerce controle sobre:
Validação de cláusulas de ressarcimento ao erário;
Cumprimento de programas de integridade;
Monitoramento da execução das cláusulas.
💬 Entendimento do TCU: A aprovação do acordo pela CGU não impede a fiscalização pelo TCU. Se o acordo for irregular, pode haver responsabilização dos gestores.
📚 TCU, Acórdão 1029/2021 - Plenário:
"A competência da CGU para celebração de acordos de leniência não exclui a competência do TCU para apuração do dano ao erário e adoção das providências cabíveis."
8️⃣ Jurisprudência atualizada sobre leniência
STF, ADI 6.305/DF (controle de constitucionalidade da LACP e seus decretos): confirmou a competência da CGU no âmbito administrativo.
STF, MS 35.453/DF: reforçou a necessidade de observância do contraditório no processo de celebração de acordos.
STJ, REsp 1.889.684/DF: reconheceu a possibilidade de judicialização do cumprimento de acordos de leniência.
9️⃣ Súmulas, entendimentos e julgados pertinentes
A responsabilização de empresas por meio de acordos de leniência envolve uma série de entendimentos jurisprudenciais e súmulas relevantes que reforçam princípios como a legalidade, a moralidade administrativa, a ampla defesa e a publicidade dos atos administrativos.
📚 Súmulas do STF e STJ
Súmula 473/STF:
"A Administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vício que os torne ilegais, porque deles não se originam direitos."
Súmula 346/STF:
"A Administração Pública pode declarar a nulidade dos seus próprios atos."
Súmula 611/STF:
"É cabível mandado de segurança contra ato de comissão de PAD ou de outro processo administrativo disciplinar."
Súmula 202/STJ:
"A impetração de mandado de segurança coletivo por entidade de classe em favor dos associados independe da autorização destes."
Estas súmulas reforçam a possibilidade de controle judicial e administrativo sobre atos relacionados à celebração e execução de acordos de leniência.
📚 Entendimentos do STF
STF, RE 1.079.412/DF:
"A Administração Pública, ao celebrar acordos de leniência, deve observar o princípio da publicidade, assegurando transparência e respeito ao interesse público."
STF, MS 35.453/DF:
"A celebração de acordo de leniência deve assegurar o contraditório e ampla defesa, inclusive no que diz respeito à imposição de cláusulas e à fiscalização de seu cumprimento."
STF, ADI 6.305/DF:
"A celebração de acordos de leniência no âmbito da Lei nº 12.846/2013 é compatível com a Constituição, desde que respeitados os princípios da moralidade e da legalidade."
📚 Entendimentos do STJ
STJ, RMS 59.612/SP:
"O direito de acesso a informações sobre acordos de leniência firmados em procedimentos administrativos sancionadores decorre do princípio da moralidade administrativa e da publicidade."
STJ, REsp 1.889.684/DF:
"Admite-se o controle judicial sobre o cumprimento de acordos de leniência, especialmente quanto ao respeito às cláusulas pactuadas e ao interesse público."
📚 Entendimentos da CGU
CGU, Manual de Leniência (2022):
"O acordo de leniência é instrumento de natureza pública, que visa à obtenção de informações relevantes, ao ressarcimento ao erário e à promoção de mudanças no comportamento da pessoa jurídica."
Nota Técnica CGU nº 12/2019:
"Os acordos de leniência devem observar o princípio da publicidade em sua execução, preservados apenas os sigilos necessários à continuidade das investigações e à proteção de dados sensíveis."
📚 Entendimentos do TCU
TCU, Acórdão 2245/2019 - Plenário:
"A efetividade dos acordos de leniência depende da transparência dos compromissos firmados, sob pena de desvirtuamento do instituto."
TCU, Acórdão 1029/2021 - Plenário:
"A competência da CGU para celebração de acordos de leniência não exclui a competência do TCU para apuração do dano ao erário e para o controle da execução das cláusulas do acordo."
TCU, Acórdão 3049/2020 - Plenário:
"A concessão indiscriminada de benefícios em acordos de leniência sem a adequada fiscalização do cumprimento das obrigações pode configurar desvio de finalidade e acarretar responsabilização dos gestores públicos."
Esses entendimentos consolidam que a atuação da Administração Pública em acordos de leniência deve se pautar pela observância irrestrita dos princípios constitucionais, pelo respeito ao interesse público e pela fiscalização rigorosa do cumprimento das obrigações assumidas pelas empresas signatárias.
✅ Conclusão
A atuação da CGU na celebração de acordos de leniência representa um importante mecanismo de combate à corrupção e fortalecimento da integridade no setor privado. Todavia, a eficácia desse instituto exige transparência, fiscalização rigorosa e respeito integral aos princípios da Administração Pública, especialmente legalidade, moralidade e publicidade.
A crítica construtiva e o controle jurisdicional e de contas são indispensáveis para evitar que a leniência, em vez de um instrumento de accountability, se transforme em ferramenta de blindagem corporativa.
🔍 Cabe, portanto, não apenas celebrar acordos, mas assegurar que eles efetivamente resultem em responsabilização, reparação e transformação estrutural das práticas empresariais.