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Declaração de inidoneidade e suspensão de contratar: critérios para aplicação segundo o TCU e o STF

ARTIGOS - ENTE PRIVADO

Equipe Blog Disciplinar

5/1/20256 min ler

Declaração de inidoneidade e suspensão de contratar: critérios para aplicação segundo o TCU e o STF

A responsabilização de empresas no âmbito da Administração Pública tem ganhado cada vez mais relevância no Brasil, especialmente diante dos avanços normativos e do fortalecimento das instâncias de controle. Duas sanções que geram grande impacto sobre a atuação de pessoas jurídicas são a declaração de inidoneidade e a suspensão de contratar com o poder público. Ambas são penalidades previstas em diferentes normativos, como a Lei nº 8.666/1993, a Lei nº 12.846/2013 e a nova Lei nº 14.133/2021, e estão sujeitas a rigorosos critérios de aplicação definidos pelos tribunais de contas e pelas cortes superiores.

Neste artigo, discutiremos em profundidade os critérios interpretativos utilizados pelo Tribunal de Contas da União (TCU) e pelo Supremo Tribunal Federal (STF) para a aplicação dessas sanções, com base em jurisprudência recente, entendimentos técnicos da Controladoria-Geral da União (CGU) e na doutrina especializada. O objetivo é oferecer uma análise útil, prática e informativa para profissionais que atuam com Processo Administrativo Disciplinar, Direito Disciplinar e Direito Sancionador — três áreas diretamente afetadas pelas decisões envolvendo inidoneidade e suspensão.

Entenda a diferença entre inidoneidade e suspensão de contratar

Apesar de frequentemente confundidas, a declaração de inidoneidade e a suspensão temporária de participação em licitações são sanções distintas, tanto em sua natureza jurídica quanto em seus efeitos práticos. Compreender essa diferença é fundamental para o correto enquadramento da conduta e para garantir o respeito ao devido processo legal nos processos sancionadores.

A declaração de inidoneidade tem um caráter mais severo e amplo: ela impede a empresa de licitar e contratar com qualquer órgão ou entidade da Administração Pública, seja no âmbito federal, estadual ou municipal. Essa sanção é tradicionalmente prevista no art. 87, inciso IV, da Lei nº 8.666/1993, e foi mantida com ajustes pela Lei nº 14.133/2021 (Nova Lei de Licitações), no art. 156, inciso IV.

Já a suspensão de contratar é restrita ao âmbito do órgão ou entidade que aplicou a penalidade, conforme previsto no art. 87, inciso III, da Lei nº 8.666/1993. Ou seja, a empresa apenas fica impedida de licitar ou contratar com o ente sancionador, e não com toda a Administração Pública.

📌 Dica prática: A escolha entre uma ou outra penalidade deve observar a proporcionalidade e a gravidade do ato, além de respeitar a individualização da conduta, como reforça a jurisprudência do TCU.

Fundamentos legais e princípios constitucionais aplicáveis às sanções

A aplicação das sanções administrativas de inidoneidade e suspensão de contratar deve ser pautada por fundamentos legais sólidos e, principalmente, pelo respeito aos princípios constitucionais da administração pública. O art. 37 da Constituição Federal de 1988 estabelece os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, os quais orientam toda a atuação estatal, inclusive a sancionatória.

Além disso, os princípios do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório, previstos no art. 5º, incisos LIV e LV, da Constituição, são absolutamente indispensáveis para a validade dos processos administrativos que visam aplicar penalidades às empresas.

📚 Em suas Anotações sobre Processo Administrativo Disciplinar (2024), Marcos Salles Teixeira observa:

“No Direito Sancionador, a Administração Pública deve atuar de maneira equivalente ao que se espera do juiz criminal: com isenção, técnica e respeito absoluto às garantias fundamentais. O que está em jogo é a sobrevivência jurídica e econômica de uma pessoa jurídica.”

As leis infraconstitucionais que preveem essas sanções também trazem diretrizes sobre o rito e os limites da atuação estatal. Por exemplo:

  • Lei nº 8.666/1993 – Art. 87;

  • Lei nº 14.133/2021 – Arts. 155 a 160;

  • Lei nº 12.846/2013 (Lei Anticorrupção) – Art. 6º, com aplicação subsidiária do Decreto nº 11.129/2022.

A aplicação de penalidades fora desses parâmetros pode levar à nulidade do ato administrativo sancionador.

Critérios objetivos adotados pelo TCU para aplicação das penalidades

O Tribunal de Contas da União (TCU), no exercício de sua competência fiscalizatória, tem se debruçado sobre diversos casos de aplicação de inidoneidade e suspensão. Seus acórdãos oferecem critérios objetivos importantes:

  • Indispensabilidade de processo administrativo prévio, com contraditório e ampla defesa (Acórdão nº 1.793/2011);

  • Vedação ao efeito automático da condenação penal ou de outro processo administrativo — exige-se motivação própria (Acórdão nº 3.420/2020);

  • Graduação da penalidade com base na gravidade da conduta, prejuízo causado e eventual dolo (Acórdão nº 2.078/2016);

  • Impossibilidade de aplicar a mesma penalidade de forma indistinta a todos os envolvidos — é necessário individualizar as condutas (Acórdão nº 1.779/2020);

📌 O TCU também orienta que a declaração de inidoneidade deve ser reservada a hipóteses em que a empresa demonstre inidoneidade ética e moral, e não meramente técnica.

Posicionamentos do STF sobre inidoneidade e suspensão

O Supremo Tribunal Federal (STF) também consolidou entendimentos importantes que delimitam o poder sancionador da Administração:

  • MS 26.602/DF: o STF reafirmou que a inidoneidade exige processo administrativo próprio e não pode decorrer automaticamente de outras sanções;

  • RE 729.744/DF (Tema 897 – Repercussão Geral): a Corte fixou que a Administração deve observar motivação adequada, proporcionalidade e razoabilidade ao aplicar penalidades restritivas de direitos;

  • ADI 1.922/DF: validou a competência do TCU para aplicar penalidades, desde que respeitado o devido processo legal;

  • RE 636.886/AL: reafirmou que a função sancionadora exige fundamentação reforçada diante dos efeitos restritivos que causa.

Esses julgados reforçam que a atuação punitiva do Estado deve respeitar os pilares do Processo Administrativo Disciplinar e do Direito Sancionador moderno, fundado na responsabilidade individualizada e em critérios objetivos.

Elementos de dosimetria e proporcionalidade na escolha da sanção

A dosimetria da sanção deve seguir uma lógica que permita à Administração Pública aplicar a penalidade mais adequada ao caso concreto. Entre os critérios mais utilizados estão:

  • Grau de reprovabilidade da conduta;

  • Existência de dolo ou culpa;

  • Nível de prejuízo ao erário;

  • Reincidência ou habitualidade do ilícito;

  • Cooperação com as investigações;

  • Existência de mecanismos de integridade na empresa.

📚 A CGU, por meio do Guia de Dosimetria de Sanções Administrativas, recomenda que se adote metodologia transparente e documentada, com matriz de risco e valoração das circunstâncias atenuantes e agravantes.

Recomendações práticas para autoridades sancionadoras e empresas

Com base nos entendimentos acima, recomenda-se que:

  • A autoridade instauradora fundamente expressamente sua decisão, com base nos critérios de proporcionalidade;

  • O processo contenha todas as garantias de contraditório e ampla defesa;

  • A escolha entre inidoneidade e suspensão leve em consideração a gravidade do ato e o histórico da empresa;

  • A penalidade não seja aplicada de forma padronizada ou automática;

  • Empresas adotem programas de integridade e mecanismos internos de denúncia, reduzindo riscos de responsabilização.

Conclusão: equilíbrio entre firmeza e legalidade na responsabilização

A imposição das sanções de inidoneidade e suspensão é uma ferramenta poderosa, mas que deve ser manejada com responsabilidade. Tanto o TCU quanto o STF têm buscado estabelecer balizas que garantam o equilíbrio entre a efetividade da punição e a observância das garantias legais.

Para o profissional que atua com Processo Administrativo Disciplinar, Direito Disciplinar e Direito Sancionador, compreender essas nuances é essencial para evitar nulidades, proteger o interesse público e assegurar decisões juridicamente sustentáveis.

FAQ – Sanções de inidoneidade e suspensão de contratar

1. A inidoneidade pode ser aplicada por qualquer órgão?
Sim, desde que haja processo administrativo com ampla defesa. A sanção tem efeito nacional.

2. A suspensão impede contratação com toda a Administração?
Não. A suspensão restringe os efeitos ao órgão que aplicou a penalidade.

3. Há prazo máximo para essas penalidades?
A Lei nº 14.133/2021 prevê que a suspensão não pode ultrapassar 3 anos e a inidoneidade pode durar até a reabilitação da empresa.

4. A sanção pode ser revista judicialmente?
Sim. O Judiciário pode anular penalidades desproporcionais ou aplicadas com vícios.

5. O TCU pode aplicar inidoneidade?
Sim. O STF reconhece essa competência desde que haja processo regular e motivação.

Você já lidou com casos de sanções administrativas em sua instituição? Compartilhe nos comentários suas experiências, dúvidas ou sugestões sobre o tema!

Para acessar o Guia Teórico e Prático da Dosimetria da Sanção Disciplinar da Controladoria-Geral da União (CGU), você pode utilizar os seguintes links:

Este guia oferece um passo a passo detalhado para a aplicação das penalidades administrativas, com base nos critérios estabelecidos pela Lei nº 8.112/1990. Além disso, apresenta modelos de texto e sugestões práticas para justificar a aplicação das sanções, bem como ferramentas eletrônicas desenvolvidas para automatizar e tornar mais precisos os cálculos das penalidades, como a Calculadora de Penalidade Administrativa e a Calculadora de Viabilidade de TAC.