Impacto da Lei de Improbidade Administrativa (alterada pela Lei nº 14.230/2021) nos processos sancionadores

Equipe Blog Disciplinar

4/3/2025

Impacto da Lei de Improbidade Administrativa (alterada pela Lei nº 14.230/2021) nos processos sancionadores

A promulgação da Lei nº 14.230/2021 representou um divisor de águas no campo do Direito Administrativo Sancionador. Ao reformular substancialmente a antiga Lei nº 8.429/1992 — a conhecida Lei de Improbidade Administrativa (LIA) —, o novo diploma trouxe profundas mudanças na forma como são conduzidos os processos sancionadores e as responsabilizações de agentes públicos e terceiros. Para quem atua com Processo Administrativo Disciplinar, Direito Disciplinar e Direito Sancionador, entender essas alterações é essencial para garantir conformidade, segurança jurídica e decisões mais alinhadas com os princípios constitucionais contemporâneos.

Este artigo tem como objetivo apresentar uma análise aprofundada sobre os efeitos da nova LIA sobre os processos administrativos sancionadores, com foco na atuação da Administração Pública, das corregedorias e dos órgãos de controle interno e externo. Também discutiremos os reflexos práticos da jurisprudência do STF, STJ e TCU.

Principais mudanças da nova Lei de Improbidade Administrativa

A nova redação da Lei nº 8.429/1992, alterada pela Lei nº 14.230/2021, trouxe transformações paradigmáticas, tais como:

  • Exigência de dolo específico para configuração de atos de improbidade;

  • Supressão da modalidade culposa nas condutas ímprobas;

  • Redução dos prazos prescricionais e criação de novos marcos interruptivos;

  • Maior objetividade nos tipos legais e nas sanções;

  • Previsão expressa de possibilidade de acordos de não persecução cível;

  • Limitação da responsabilização de terceiros sem vínculo direto com a conduta.

Essas modificações impactam diretamente a dinâmica dos Processos Administrativos Disciplinar e sancionadores conduzidos no âmbito da Administração Pública.

📌 Palavras-chave relacionadas: improbidade administrativa, nova LIA, responsabilização de agentes públicos, PAD, sanções administrativas, reforma legislativa.

A exigência de dolo e seus reflexos no Direito Sancionador

Uma das alterações mais debatidas foi a exclusão da improbidade culposa. Desde a nova redação, somente as condutas dolosas — com intenção clara de lesar o erário, obter vantagem indevida ou violar princípios administrativos — podem configurar atos de improbidade.

Essa mudança se alinha com os princípios do Direito Sancionador, que exige tipicidade, culpabilidade e proporcionalidade. O STF já havia sinalizado essa tendência, como no julgamento do RE 1.140.268/SP (Tema 1.199 da Repercussão Geral), em que fixou-se que:

“A responsabilização por improbidade administrativa exige demonstração inequívoca do dolo, não sendo suficiente a mera ilegalidade ou erro administrativo.”

📚 Conforme ensina Marcos Salles Teixeira:

“O princípio da culpabilidade é corolário do devido processo legal substancial. Em matéria disciplinar, não há espaço para sanções automáticas ou baseadas apenas na ineficiência. A mensuração do dolo é requisito essencial para qualquer juízo de reprovação.”

A nova sistemática prescricional e seus efeitos sobre a responsabilização

Outra mudança de grande relevância foi a reformulação do regime prescricional. A Lei nº 14.230/2021 estabeleceu um novo marco de prescrição geral de 8 anos, com contagem iniciada a partir do conhecimento inequívoco do fato, afastando a regra de prescrição contínua anterior.

Além disso, foram previstos novos marcos interruptivos (como o ajuizamento da ação ou a assinatura do termo de não persecução) e estabelecido que a prescrição intercorrente se aplica aos processos em curso, o que tem gerado ampla repercussão judicial e administrativa.

📌 O STJ, ao julgar o REsp 1.761.462/SP, reforçou a aplicabilidade da prescrição como “instituto de segurança jurídica essencial à atuação estatal”, vedando responsabilizações indefinidas.

📚 A CGU, em notas técnicas, tem orientado os órgãos de correição a atentarem para os novos prazos, especialmente em relação a fatos pretéritos que possam ser atingidos retroativamente.

Acordo de não persecução cível: inovação no tratamento do ilícito

Com a nova LIA, foi incorporado o acordo de não persecução cível (ANPC), inspirado nos modelos já consolidados no Direito Penal e no Direito Anticorrupção. O objetivo é permitir soluções negociadas e mais céleres para infrações de menor gravidade ou com forte colaboração dos envolvidos.

O acordo pode ser proposto pelo Ministério Público ou pelo ente público lesado, devendo ser homologado judicialmente. Ele pode prever o ressarcimento ao erário, medidas de integridade e até mesmo cláusulas de reparação simbólica ou retratação pública.

💡 Para fins de Processo Administrativo Disciplinar e Direito Sancionador, o ANPC representa uma alternativa viável e moderna, desde que respeitado o interesse público primário.

Reflexos nos processos administrativos disciplinares e de responsabilização

Embora a LIA regule predominantemente a esfera judicial, suas repercussões nos processos administrativos são evidentes. Entre os principais reflexos, destacam-se:

  • A vedação à sanção por mera irregularidade formal;

  • A exigência de análise do dolo em sindicâncias e PADs relacionados a atos de improbidade;

  • A necessidade de integração normativa entre PADs, PARs e as ações de improbidade.

📚 Conforme aponta Marcos Salles Teixeira:

“Os processos administrativos disciplinares devem ser interpretados sistematicamente à luz da nova legislação, sob pena de produzirem efeitos desproporcionais ou até mesmo nulos.”

Jurisprudência dos tribunais superiores sobre a nova LIA

As cortes superiores vêm consolidando entendimentos importantes sobre a nova LIA:

  • STF, RE 843.989/SP: reconhece que a nova lei é mais benéfica e retroage em favor do réu;

  • STJ, REsp 1.944.718/PR: admite a possibilidade de arquivamento de ações fundadas em condutas culposas;

  • TCU, Acórdão 3063/2022-Plenário: reforça que a responsabilização administrativa deve observar os parâmetros objetivos e subjetivos do novo texto legal.

Essas decisões devem ser acompanhadas atentamente por corregedorias, procuradorias e gestores, sob pena de nulidades e responsabilização da própria Administração Pública.

Considerações finais: mais técnica, menos arbitrariedade

A reforma da Lei de Improbidade Administrativa foi uma tentativa de conferir maior racionalidade, previsibilidade e proporcionalidade à responsabilização por atos lesivos à Administração. Ela inaugura um novo ciclo de responsabilização, mais condizente com o atual estágio do Direito Sancionador.

Para os profissionais que atuam com Processo Administrativo Disciplinar e Direito Disciplinar, o domínio da nova legislação é um requisito básico para decisões justas, válidas e eficazes.

FAQ – Nova LIA e seus efeitos nos processos administrativos

1. A nova LIA se aplica aos processos administrativos?
Sim, seus princípios orientam os processos administrativos, especialmente nos aspectos de culpabilidade, tipicidade e dosimetria.

2. Posso aplicar sanção disciplinar sem comprovar dolo?
Não nos casos vinculados à LIA. A comprovação do dolo é condição indispensável para caracterização do ato ímprobo.

3. Acordo de não persecução pode ser usado no PAD?
Embora a LIA preveja o ANPC para a esfera judicial, a lógica da consensualidade pode ser replicada com cautela no âmbito disciplinar, desde que prevista em norma específica.

4. Como fica a prescrição de fatos anteriores à nova LIA?
Há entendimentos favoráveis à aplicação retroativa da prescrição, mas é necessário analisar caso a caso com apoio da assessoria jurídica.

5. Como a CGU tem orientado as corregedorias?
A CGU tem divulgado manuais e notas técnicas para adequação dos fluxos e decisões ao novo regime jurídico da improbidade.

E na sua instituição, como os processos administrativos estão sendo adaptados à nova LIA? Compartilhe suas experiências e dúvidas nos comentários!