Proteção à testemunha em processos administrativos disciplinares e sindicâncias

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Equipe Blog Disciplinar

4/14/20255 min ler

Proteção à testemunha em processos administrativos disciplinares e sindicâncias

A proteção à testemunha é uma dimensão fundamental da justiça administrativa. Em um cenário cada vez mais atento à proteção de direitos e garantias individuais, especialmente no âmbito do Processo Administrativo Disciplinar, do Direito Disciplinar e do Direito Sancionador, é indispensável assegurar que pessoas que colaboram com a verdade não sejam expostas a riscos ou retaliações.

Nos últimos anos, a jurisprudência dos tribunais superiores e os manuais técnicos da Controladoria-Geral da União (CGU) têm reconhecido a necessidade de medidas protetivas que vão além do simples zelo formal, exigindo que a Administração adote práticas ativas para garantir a integridade física, emocional e funcional de testemunhas.

Este artigo busca apresentar, em tom humanizado e prático, como deve ser estruturada a proteção à testemunha em Processo Administrativo Disciplinar e sindicâncias, reunindo entendimentos do STF, STJ, TCU, normas da CGU, além de sugestões doutrinárias atualizadas para orientar profissionais, gestores públicos e servidores envolvidos nesses procedimentos.

A importância da proteção à testemunha no Direito Disciplinar

A proteção à testemunha é um mecanismo que visa garantir a liberdade de manifestação, a segurança pessoal e a isonomia entre as partes no âmbito da apuração administrativa. Quando uma pessoa se dispõe a relatar fatos em uma sindicância ou Processo Administrativo Disciplinar, especialmente quando envolvem superiores hierárquicos, colegas de trabalho ou ambientes tóxicos, ela se torna vulnerável.

No Direito Disciplinar, a efetividade da apuração dos fatos depende da confiança de que a testemunha poderá relatar os acontecimentos sem medo de sofrer sanções indiretas, como retaliações funcionais, remoções arbitrárias, assédio moral ou prejuízos à sua reputação.

Conforme destacado por Marcos Salles Teixeira em suas Anotações sobre Processo Administrativo Disciplinar (2024):

"O zelo com a testemunha é uma das garantias institucionais da verdade no processo disciplinar. Proteger o depoente é proteger o próprio processo."

Fundamentos legais e princípios constitucionais da proteção

Embora não exista uma lei federal específica que regule exclusivamente a proteção de testemunhas em sindicâncias e PADs, o tema encontra respaldo em diversos dispositivos legais e princípios constitucionais:

  • Art. 5º, inciso XXXV, CF: acesso à justiça;

  • Art. 5º, inciso XXXVIII, CF: imparcialidade e segurança;

  • Art. 5º, inciso XLI, CF: punição à prática de qualquer forma de discriminação;

  • Lei nº 9.807/1999: que trata da proteção de vítimas e testemunhas ameaçadas (usada subsidiariamente);

  • Manual de PAD da CGU (2022): orienta sobre o sigilo de depoimentos e cautelas com a proteção à testemunha.

O STF, no julgamento do HC 84.548/SP, já indicava que a proteção à testemunha é uma dimensão do devido processo legal administrativo:

"O devido processo legal não se limita às garantias do acusado, devendo abranger também a integridade do procedimento e a proteção dos que nele colaboram."

Riscos comuns enfrentados por testemunhas em processos administrativos

A realidade dos órgãos públicos demonstra que testemunhas, sobretudo quando atuam contra superiores hierárquicos ou esquemas consolidados, enfrentam riscos reais e concretos. Entre os mais recorrentes, estão:

  • Pressões psicológicas de chefias ou colegas;

  • Remoções indevidas após o depoimento;

  • Abertura de processos contra a testemunha (PADs retaliatórios);

  • Campanhas de desqualificação profissional;

  • Isolamento ou mudança de ambiente de trabalho.

O TCU, no Acórdão 3.133/2015, recomendou que unidades correcionais e autoridades instauradoras adotem postura proativa na prevenção de retaliações:

"É dever da autoridade instauradora preservar o equilíbrio funcional e o bem-estar de servidores que atuem como testemunhas em procedimentos correcionais."

Medidas concretas de proteção aplicáveis na sindicância e no PAD

A seguir, listamos medidas protetivas que podem e devem ser adotadas pelas comissões e autoridades administrativas:

  • Sigilo da identidade da testemunha (quando possível);

  • Depoimento reservado, fora da presença do acusado;

  • Dispensa da testemunha do ambiente laboral comum após o depoimento;

  • Acompanhamento psicológico funcional (em casos graves);

  • Registro e monitoramento de possíveis retaliações;

  • Encaminhamento ao programa de proteção a testemunhas (quando cabível, via MP).

📚 A CGU, em seu Guia de Boas Práticas Correcionais, recomenda ainda que:

"Qualquer indício de retaliação funcional à testemunha deve ser registrado e comunicado formalmente à autoridade superior e à unidade correcional."

Jurisprudência dos tribunais superiores sobre proteção à testemunha

O tema vem sendo cada vez mais judicializado, especialmente quando há indícios de represálias institucionais após a oitiva em PAD. Alguns julgados importantes:

  • STF, MS 24.631/DF: reconheceu o direito da testemunha ao resguardo do ambiente funcional.

  • STJ, RMS 58.136/DF: destacou que a má-fé da administração pode ser presumida quando não há justificativa para remoções imediatas após o depoimento.

  • STJ, MS 21.729/DF: reforçou que proteger a testemunha é manter a higidez do processo disciplinar.

Além disso, o uso de provas obtidas mediante coação à testemunha pode ser considerado ilícito, conforme a jurisprudência consolidada do STF (RE 593.727/DF), o que reforça a necessidade de proteção efetiva.

Como a comissão processante deve atuar para proteger a testemunha

A comissão tem papel central na proteção à testemunha. Ela deve:

  • Orientar a testemunha sobre seus direitos antes do depoimento;

  • Solicitar à autoridade instauradora a adoção de medidas específicas quando houver risco real;

  • Garantir registro formal de qualquer solicitação ou incidente relacionado à integridade da testemunha;

  • Evitar o uso do nome da testemunha em documentos públicos ou portarias (quando possível);

  • Informar imediatamente eventuais indícios de retaliação.

Essa atuação não apenas preserva a lisura do Processo Administrativo Disciplinar, mas fortalece a confiança da comunidade administrativa na eficácia do Direito Disciplinar e do Direito Sancionador.

Conclusão: proteger a testemunha é proteger a verdade

A proteção à testemunha é uma dimensão ainda negligenciada, mas absolutamente essencial no cotidiano da Administração Pública. O Processo Administrativo Disciplinar não pode ser apenas formalmente válido; precisa ser substancialmente justo.

🛡️ Resguardar quem fala a verdade é um compromisso com o fortalecimento do serviço público, com a ética administrativa e com o modelo de Estado que queremos consolidar.

Servidores, advogados, gestores e membros de comissões disciplinares devem adotar postura ativa e vigilante diante de qualquer sinal de risco à integridade de quem contribui com a verdade.

FAQ – Proteção à testemunha em processos disciplinares

1. A comissão pode manter o nome da testemunha em sigilo?
Sim, especialmente se houver risco de retaliação. A CGU recomenda o sigilo da identidade sempre que possível.

2. Existe previsão legal expressa para proteção à testemunha em PAD?
Embora não exista lei específica, a proteção é exigida por força de princípios constitucionais e normas administrativas da CGU.

3. A testemunha pode ser removida após o depoimento?
A remoção imotivada logo após o depoimento pode ser considerada retaliação, e configura desvio de finalidade.

4. A testemunha pode se recusar a depor por medo?
Ela pode relatar o receio à comissão. O depoimento pode ser prestado com medidas especiais de proteção.

5. Há previsão de responsabilização de quem retaliar uma testemunha?
Sim. A prática pode configurar abuso de autoridade, assédio moral ou infração disciplinar grave.